Antes das alterações que a Lei de Liberdade Econômica nos trouxe (Lei nº 13.874/2019), o Código Civil, mais especificamente em seu artigo 50, adotava a denominada teoria maior da desconsideração.
Na teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, além da insuficiência patrimonial era preciso demonstrar o abuso caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Ocorre que, embora tal disposição, a legislação não definiu o que seria capaz de configurar o desvio de finalidade ou confusão patrimonial, gerando reiteradas decisões judicias em sentidos divergentes e utilizando o incidente, que, a priori, devia ser aplicado em caráter excepcional, de forma reiterada.
Após incessantes discussões sobre o tema, a Lei de Liberdade Econômica consagrou nova redação ao artigo 50 do Código Civil, in verbis:
Art. 50 Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1ºPara os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2ºEntende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I- cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II- transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III- outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3ºO disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
§ 4ºA mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5ºNão constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
Felizmente, a nova redação prevê a necessidade da existência de um nexo causal entre o abuso da personalidade jurídica (causado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial) e o benefício auferido pelos sócios ou administradores da sociedade, sem o qual não há que se falar na desconsideração da personalidade jurídica.
Além disso, a redação atual conceituou o que configura o desvio de finalidade e a confusão patrimonial, sendo certo que a devida comprovação da ocorrência de tais atitudes são imprescindíveis para a inclusão do sócio ou ex-sócio em demandas nas quais a pessoa jurídica restou inadimplente, sendo que, sem isso, não há que se deferir o incidente.
Desta forma, entendemos que as alterações acima contribuirão para a manutenção da segurança jurídica e transparência na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cujo caráter é excepcional, reduzindo drasticamente a margem de interpretação do julgador nestes casos e trazendo mais segurança ao empresário e ao credor, pois saberão exatamente quando haverá ou não a desconsideração da personalidade jurídica.
KR Law
André Pinguer Kalonki
Celso Souza
Marjorie Mendes de Carvalho
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